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Na safra um tanto pobre de filmes em 2010, Raajneeti apareceu como um significativo respiro pra quem esperava por filmes que nos prendesse do começo ao fim. O ânimo que se esperava por Paathshala, ou com Kites, trazendo de volta Hrithik Roshan desde Jodhaa Akbar, acabou não se cumprindo. É possível que o esmagador sucesso de 3 Idiots, no finalzinho de 2009 e começo de 2010 tenha obscurecido todas as chances seguintes de sucesso.
Bom, e então, no dia 4 de junho, Raajneeti estreou nos cinemas indianos e se confirmou como o maior sucesso do ano até este momento. Ainda assim, eu já me adianto e digo desde já que, na minha opinião, esse filme ainda não chega perto de obras como Dev.D ou Kaminey, ambas lançadas em 2009, e nem prende tanto quanto prendeu 3 Idiots. Mas é digno de ser visto, sobretudo pela incrível capacidade de reinventar um épico tão milenar e familiar aos indianos, trazendo-o para a contemporaneidade por caminhos próprios e inesperados.
Explico. Logo no começo somos apresentados em flashback a Bharti Rai (Nikhila Trikha) que, discordando dos ideais políticos do pai, governador do estado em que vivem, acaba se aproximando e se envolvendo com o líder político de esquerda, Bhaskar Sanyal (Naseeruddin Shah), que desaparece em seguida. No entanto, ele deixa Bharti grávida. Ao nascer o bebê, o irmão de Bharti, Brij Gopal (Nana Patekar), retira a criança sem Bharti nem sequer ter tempo de vê-la, e a coloca num cesto no rio. E é daí que somos jogados aos dias atuais e imediatamente introduzidos a Sooraj Kumar (Ajay Devgan), um destemido rapaz de 27 anos amado pelo povo por ser invencível numa espécie de luta marcial indiana, que me falha o nome agora.
Quando isso ocorre, ainda no começo do filme, não tive como não fazer um paralelo com trechos do Mahabharata, o grande épico indiano, contado há milênios, mais precisamente com a história do nascimento de Krishna (e sim, e que pode também ser feito um paralelo muito semelhante com Moisés). E só depois fui descobrir que Prakash Jha, o escritor, produtor e diretor do filme, inspirou-se diretamente neste épico.
E então o filme prossegue. Bharti está hoje casada com Chandra Pratap (Chetan Pandit), irmão mais novo de Bhanu Pratap (Jahangir Khan). Bhanu, por sua vez, é líder do partido Rashtrawadi e acaba sofrendo um atentado. No hospital, ele passa a liderança a seu irmão, Chandra, e a seu sobrinho, filho de Chandra, Prithviraj Pratap (Arjun Rampal), pra desgosto profundo de seu próprio filho, Veerendra Pratap (Manoj Bajpai). Inconformado, Veerendra alia-se a Sooraj, vendo o apoio das massas que ele tem e o apelo que ele proporcionaria pra angariar votos. Acontece que Sooraj é filho do motorista da família Pratap, mas ninguém nessa altura sabia que ele mesmo era também da família Pratap, nem o próprio motorista, que havia pego ele na beira do rio.
Daí também conhecemos nesse rolo todo Samar Pratap (Ranbir Kapoor), irmão mais novo de Prithviraj, filho de Chandra. Samar tem uma namorada nos Estados Unidos, Sarah (Sarah Thompson), mas na Índia sua amiga de infância, Indu (Katrina Kaif), filha de um grande empresário, é apaixonada por ele e até mesmo a mãe de Samar desejaria vê-los casados um dia.
Bom, até essa parte o filme é razoavelmente confuso e temos que estar atentos às relações entre todos e ao que está se passando exatamente. As sequências são muito rápidas e é muito personagem pra gravarmos, cada qual com sua importância ímpar no filme.
Ímportância ímpar. É então após cerca de uma hora de filme que as coisas ficam verdadeiramente emocionantes. Aos poucos, sequências de assassinatos completamente inesperados começam a acontecer e o filme passa a ser um sobe e desce de personagens tomando a dianteira da história. Numa praticamente demoníaca corrida eleitoral pelo governo estadual, membros de uma mesma família não têm escrúpulos para defender o próprio ego, levando às últimas consequências a própria razão de estarem ali. E então o Mahabharata passa a fazer ainda mais sentido na história, embora sem manifestações divinas.
No fim das contas, fiquei extremamente surpreso com o filme. Prakash Jha, que tem em sua bagagem obras com enfoques sociopolíticos, fez seu primeiro grande hit de maneira primorosa. E também não critico a atuação de ninguém, ao contrário. Me surpreendi com Katrina Kaif, Ranbir Kapoor e com Arjun Rampal, este último ainda mais convincente. Aliás, e como o filme nos leva sempre a não esperar o que vem a seguir, há sempre na atuação de cada um um ar incógnito e dúbio que, méritos dados à direção de Prakash, esteve muito bem em Raajneeti.
Aliás, em muitos momentos fui obrigado a fazer um paralelo deste filme com outras duas obras indianas de Vishal Bhardwaj, Maqbool (2003) e Omkara (2006), que são filmes cheios de personagens, com muita violência e, principalmente, são releituras contemporâneas de histórias centenárias. E já que toco nessa questão, reafirmo minha predileção por Vishal em geral em relação a este filme de Prakash, tanto por estes dois filmes que citei agora quanto pelo também já citado Kaminey. Mas ainda assim Raajneeti é primoroso em construir o inesperado de maneira tão instigante.
Aliás, em muitos momentos fui obrigado a fazer um paralelo deste filme com outras duas obras indianas de Vishal Bhardwaj, Maqbool (2003) e Omkara (2006), que são filmes cheios de personagens, com muita violência e, principalmente, são releituras contemporâneas de histórias centenárias. E já que toco nessa questão, reafirmo minha predileção por Vishal em geral em relação a este filme de Prakash, tanto por estes dois filmes que citei agora quanto pelo também já citado Kaminey. Mas ainda assim Raajneeti é primoroso em construir o inesperado de maneira tão instigante.
E voltando a Raajneeti, é evidente que o filme não foi lançado sem ter sido alvo de controvérsias, a começar pela própria censura, que inicialmente barrou o filme. Prakash, então, tirou cenas com violência excessiva, cenas de sexo mais explícitas que o normal pro cinema indiano, além de trechos com ataques mais rudes à comunidade muçulmana. Ainda assim, Raajneeti segue com uma violência extrema e cenas razoavelmente íntimas, inclusive logo no começo.
O pior é saber que a Índia de fato tem históricos políticos muito semelhantes, de assassinatos dos mais terríveis pra derrubar quem quer que seja que possa estar próximo ao poder. Embora não fique explícito em nenhum momento, o filme se passa no estado de Madhya Pradesh, bem no centro do país.
E em tempo, "raajneeti" significa nada mais que... "política". Bom, concluindo, eu recomendo.
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