Finalmente, encerrando nossa série sobre os cinemas regionais da Índia, falaremos sobre a quase onipotente, onipresente e onisciente Bollywood (mistura de Bombay com Hollywood). Tive que utilizar o “quase”, pois embora haja um megalomanismo único nesta indústria, ela ainda não conquistou os quatro cantos do planeta. Mesmo assim, ainda que restem alguns passos para a divindade de Bollywood, seus atores são mesmo deuses para os indianos.
Bom, então vamos ao que interessa. Embora Bollywood seja conhecida por quase que a totalidade de nossos leitores, estou certo que muitos não sabem o que é realmente essa indústria. Diferentemente de outras regiões da Índia, Bollywood não tem um espaço físico próprio, uma sede, ou um complexo de estúdios. A verdade é que Bollywood é sustentada por uma rede de estúdios, diretores e produtoras espalhados por Mumbai, capital do estado do Maharashtra, cuja língua oficial é o marathi. Mas não é do marathi que Bollywood faz sua fama, mas sim do hindi, a língua predominante no norte do país.
Consta que Bollywood produz, sozinha, mais filmes que Hollywood. Os números não são precisos, mas nem sequer os próprios indianos têm noção de quantos filmes estão sendo lançados a cada semana. Embora Bollywood faça filmes em hindi e acabe servindo principalmente à porção norte do país, toda a Índia curva-se à sua magia. As indústrias do sul, na maioria dos casos, conseguem ter maior audiência com as populações locais, mas os grandes sucessos do cinema hindi são, de fato, grandes sucessos de toda a Índia.
E vamos agora falar de história. Quem vem acompanhando esta série talvez se lembre da postagem sobre o cinema marathi, em que se dizia que seu primeiro filme foi lançado em 1913, com o título de Raja Harichandra, feito por Dadasaheb Phalke, um diretor marathi por nascimento. Acontece que Bollywood também pega pra si como sendo este o seu primeiro filme, uma vez que o filme era mudo e que ele tenha sido feito nos embriões desta futura grande indústria. O fato é que o primeiro filme definitivamente hindi foi Alam Ara (1931), de Ardeshir Irani, o primeiro filme falado nesta língua. Foi um grande sucesso.
Embora nos anos 30 e 40 a Índia tenha sofrido os efeitos da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial, as indústrias de cinema puderam resistir, aproveitando inclusive o cenário externo e os temas relevantes ao país no momento, como a luta pela independência. Nas décadas seguintes a indústria hindi foi caminhando a passos nem tão largos assim. Alguns atores ficaram muito famosos e ganharam projeção nacional, como Dev Anand, Dilip Kumar e Meena Kumari. Os temas eram desde romances até filmes de ação, passando até para filmes sobre gângsters – foi em um desses que surgiu o hoje divindade Amitabh Bachchan, ainda nos princípios dos anos 70.
Foi somente nos anos 90 que a Bollywood deu a volta por cima e transformou-se na grande indústria de cinema da Índia, com o tema que até hoje ainda se repete como fórmula de sucesso: família - amor “impossível” - song-and-dance. O primeiro a surgir assim foi Hum Aapke Hain Kaun (1994), seguido pela unanimidade Dilwale Dulhania Le Jayenge – DDLJ (1995). Foi aí que surgiu nada mais nada menos que a outra divindade Shahrukh Khan. Durante esta década nenhum filme fez mais sucesso que DDLJ, que segue até hoje como o “grande filme” hindi. Mas nos anos 2000 uma nova série de produtoras, diretores e atores surgiram com novas idéias e tecnologias – na verdade aproveitando-se da onda de crescimento econômico indiano que ainda não terminou.
A era dos efeitos especiais e das mega produções estava só começando na Índia, liderada por Bollywood. Produtoras como Yash Raj Films e Dharma Productions encabeçaram os lançamentos. Ao mesmo tempo, novos shoppings eram construídos pelo país, e novas salas multiplex eram inauguradas, dando respaldo para o lançamento de filmes cada vez mais bem elaborados e mais caros. Foi nesses anos recentes que lançaram os mega sucessos Devdas, Koi... Mil Gaya, Kal Ho Na Ho, Veer-Zaara e a série Dhoom. Também surgiram e se consolidaram novas divindades, como o próprio Shahrukh Khan, Amitabh Bachchan, Hrithik Hoshan, Aamir Khan, Aishwarya Rai, Karina Kapoor e Rani Mukerji.
No entanto, nesta segunda metade dos anos 2000, uma nova mudança vem sendo notada em Bollywood. Após a grande onda de euforia e entrada de dinheiro em caixa, a repetição de temas e fórmulas parece estar se esgotando; ou ao menos irão se manter, ao mesmo tempo que um novo estio começa a aparecer. Alguns diretores, na maior parte novatos, estão aproveitando um novo terreno que surge na Índia, ao mesmo tempo que ajudam a construí-lo com a força que o cinema tem nessa país. Um processo de ocidentalização acelerado na Índia – que ocorre graças ao crescimento econômico também acelerado – está trazendo novos padrões sociais, quebrando alguns dogmas, regras e preconceitos. Os filmes estão ficando mais sérios, embora às vezes mantenham cenas de song-and-dance, ou ao menos apenas cenas com música, como se fossem clipes no meio da trama. São exemplos recentes disso o próprio premiado Taare Zameen Par e Shaurya. O primeiro trata sobre a dislexia (veja as postagens que já existem sobre este maravilhoso filme) e o segundo sobre a tensa relação hinduísmo-islamismo e a Caxemira. Também não posso deixar de citar Black, já comentado também neste blog, que nem sequer cena de música tem, embora tenha apoiado-se sobre as ótimas atuações de Amitabh Bachchan e Rani Mukerji.
E nos tempos mais recentes ainda, talvez eu possa afirmar que agora, no ano de 2008, filmes ainda mais ousados para aquela indústria estão surgindo, como adiantou a Sandra no Indi(a)gestão (www.indiagestao.blogspot.com). São filmes que talvez causem polêmica, ou talvez ninguém nem fique sabendo. A produção Hostel tratará sobre um garoto que é estuprado; It's a Man's World contará sobre a prostituição masculina no país; e Pankh revelará o drama de um jovem em relação à sua opção sexual. É importante que vocês saibam que na Índia os indianos afirmam com unhas e dentes não haver homossexualidade por lá, o que é a mais profunda mentira. Até mesmo indianos esclarecidos falam que por lá não há gays como no ocidente, o que é de novo uma mentira. Ainda que estes filmes não façam sucesso, talvez sejam o início de um processo de aceitação sobre uma realidade presente para eles.
Bollywood, mais que outras indústrias indianas, tem um importantíssimo papel de trazer novos valores para a sociedade indiana. Alguns podem afirmar que isso é negativo, que é um processo de aculturação, ocidentalização e descaracterização da verdadeira cultura indiana. Pode até ser que seja mesmo isso que esteja ocorrendo, mas prefiro pensar que se a característica de um povo é ser hipócrita e preconceituoso, então que mudem mesmo para melhor; não por mim, não pelo mundo globalizado, mas por eles mesmos.
Falar sobre Bollywood dá muito pano pra manga. Este post já está muito grande e, por isso, continuarei numa segunda postagem. Clique aqui e leia a continuação!
4 comentários:
Parabéns, Ibirá! Estarei aguardando ansiosa os seus próximos post. Enquanto isso se alguém quiser se aprofundar no tema, eu indico o livro: "Cinema no Mundo" volume III - Ásia, da editora Escrituras, que descreve no capítulo 3 sobre a produção e distribuição do cinema indiano.
E para quem quer ficar expert, um verdadeiro doutor em assuntos bollywoodianos, e domina a língua inglesa indico o livro "BRAND BOLLYWOOD" do escritor indiano DEREK BOSE, especialista no tema Bollywood e outros aspectos da indústria cinematográfica indiana.
Beijos,
Sandra Bohn.
Obrigado, Sandra! Você sempre com excelentes contribuições!
De fato Bollywood é top list! Reparei tb nessa mudança de foco, mas acho muito polêmico ainda. Vejo até eles comentarem pouco (ainda). Mas extremamente interessante eles pararem pra pensar no mascarado e até no ocidentalizado. Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar, essa é minha opinião! :P
Estou atras do filme PROVOKED baseado em fatos reais.
Vc sabe algo sobre este filme? Tem clip dele no Youtube?
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