sábado, 31 de julho de 2010

Homenagem a Mani Ratnam no Festival de Veneza

-
Há menos de um mês falamos da importância de Mani Ratnam para o cinema indiano. Coincidentemente - ou não -, no Festival de Veneza deste ano ele receberá uma homenagem por sua obra, além de ter exibido lá seu mais recente filme, a megaprodução Raavan.

O prêmio Glória ao Cineasta (Glory to the Filmmaker) é dado àqueles que, de alguma forma, trazem uma contribuição mais significativa ao cinema que outros cineastas são capazes de fazer. No caso de Mani Ratnam, o júri do Festival de Veneza resolveu este ano reconhecer a capacidade que ele teve - e tem - de realizar um efetivo diálogo dentro dos cinemas regionais indianos.

Nascido e crescido no Tamil Nadu, sede de Kollywood, indústria que disputa com Bollywood o posto de maior indústria de cinema da Índia, Mani começou seu trabalho fazendo filmes em língua tamil, logo consagrando-se como cineasta de destaque. Mas tão logo começou incursões pelo cinema hindi, sem nunca abandonar o cinema de Chennai, estando, ainda por cima, sempre ao lado do incontestável e também tamil A.R. Rahman, dono das mais significativas trilhas sonoras do cinema indiano.

Os organizadores de Veneza acreditam, também, que Mani foi um dos grandes responsáveis pela atual cara do cinema indiano contemporâneo. Dizem, também, que o poder de seus filmes foi capaz de entrar no imaginário popular indiano ao longo dos últimos vinte anos, coisa que quase nenhum outro cineasta consegue fazer, num país de mais de 800 filmes por ano.

E então, durante o Festival de Veneza, que ocorre de 1 a 11 de setembro próximos, o filme Raavan terá sua premiere, com direito ao próprio Mani Ratnam presente, além dos dispensa apresentações Abhishek Bachchan, Aishwarya Rai e Vikram. A.R. Rahman também estará lá.

E pouco a pouco o cinema indiano vai ganhando mais reconhecimento por aí. O caminho é natural, basta agora torcermos pra que esse reconhecimento também ajude a quebrar certas barreiras aqui e ali, fundamentais pro cinema da Índia ganhar o espaço que efetivamente merece.
-

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ankur (1974) - अंकुर

-

Ankur, definitivamente, não é um filme qualquer, por vários motivos. Ele é a estreia tanto de Shyam Benegal na direção e de Shabana Azmi no cinema, ambos nomes que acabaram por se tornar imensas referências no cinema paralelo indiano. Além disso, ele apareceu num momento de reforço e consolidação deste cinema, à margem das indústrias regionais da Índia.

Pra ajudar no fato, Ankur conta uma história real que se passou na região de Hyderabad, no estado de Andhra Pradesh, por volta dos anos 50. Várias atrizes foram sondadas para fazerem o papel principal de Lakshmi, mas assumir uma personagem polêmica, e ainda real, centro de questões sociais que remontam à raiz da cultura indiana, não seria fácil. Foi quando Shyam Benegal encontrou Shabana, nos seus 20 e pouquinhos anos, cheia de coragem, disposta a enfrentar Lakshmi.

O filme conta a história de Surya (Anant Nag), um jovem recém formado na universidade, que é basicamente obrigado pelo pai - uma espécie de latifundiário local - a morar e cuidar do pedaço de terra que o pertence. Surya havia se casado com Saru (Priya Tendulkar) quando jovens (casamento arranjado infantil, prática ainda comum em muitas regiões da Índia), e em poucos meses Saru estaria na idade adequada para ir morar com seu marido. Enquanto isso, porém, Surya teria de morar sozinho na casa da fazenda.

Ao chegar na fazenda, Surya conhece os caseiros do local, o casal de dalits Lakshmi (Shabana Azmi) e Kishtayya (Sadhu Meher), que moravam num pequeno casebre de palha nos fundos da propriedade. Kishtayya era surdo e mudo, além de alcoólatra. Na prática, era Lakshmi quem os sustentava, fazendo a limpeza da casa dos patrões.

Mas assim que chega, Surya toma atitudes recorrentemente impensáveis. Pra começar, pede que Lakshmi faça a comida pra ele, além de servir o chá, de manhã. Em princípio, a ordem social indiana impede que dalits (intocáveis) façam comida para qualquer pessoa de casta, quanto menos para patrões. Em seguida, decide empregar também Kishtayya, pedindo que ele vá à casa de seu pai buscar fertilizantes, utilizando o carro de boi da fazenda.

E então, com a ausência de Kishtayya, Surya deixa muito claro a Lakshmi que estava encantado por ela, mas ela não cede. No entanto, pelo próprio fato de Lakshmi estar cozinhando pra Surya - pra desgosto do sacerdote local, que era quem antes levava a comida -, tão logo começam as fofocas no vilarejo, dizendo que ambos já tinham dormido juntos.

Um dia, Kishtayya é pego roubando cocos e é humilhado em público. Aliado à sua frequente bebedeira e à também constante reclamação de Lakshmi de que ela não engravidava - seu maior desejo -, Kishtayya, então, um dia desaparece.

É assim que, com a carência de Surya e a descrença completa de Lakshmi em seu casamento, ambos acabam mesmo se envolvendo emocionalmente. Mas não demora muito para que Saru chegue, finalmente, à casa. E ela já chega impondo novas condições, começando por proibir que Lakshmi cozinhe, por exemplo.

E agora prefiro não seguir com a história, que ainda guarda intensas emoções pela frente. 

Eu diria que Ankur é um filme imperdível do cinema indiano. No entanto, faço algumas ressalvinhas básicas. Ao contrário de Satyajit Ray, que fez sua obra-prima na sua estreia no cinema, com Pather Panchali, eu não colocaria Ankur como a obra prima de Shyam Benegal. Seus filmes seguintes, inclusive até os tempos atuais, conquistaram alguns novos patamares de qualidade, na minha opinião, em vários aspectos. Além disso, também não considero essa a melhor atuação de Shabana, embora ela seja sempre excelente. Aliás, de forma geral, achei as atuações um bom tanto forçadas, com pouca naturalidade, com exceção do surdo mudo de Sadhu Meher.

Mas à parte disso, Ankur é um filme que cutuca muitas questões importantes para a sociedade indiana, ainda não superadas - se é que devem ser superadas. E são também questões humanas como um todo. Há ali o alcoolismo, há a relação rígida de uma sociedade de castas, a relação entre ricos e pobres, a questão da liberdade sexual, das questões religiosas... e tudo isso centrado no ponto de como os seres humanos, individualmente, agem pra cada uma dessas questões.

Por fim, Ankur significa "muda" (de planta). Ao longo de todo o filme a "muda" aparece de maneira explícita ou metafórica, mas acredito que a maior metáfora que este título traz diz respeito à constante tentativa de germinação do novo, num substrato já tão ocupado.

Em 1975, o filme levou o prêmio de segundo melhor filme do ano, pelo National Film Awards. Na mesma premiação, Sadhu Meher e Shabana Azmi levaram os prêmios de melhor ator e melhor atriz. Ele também foi indicado ao Urso de Ouro do Festival de Berlim em 1974.
-

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Pather Panchali (1955) - পথের পাঁচালী

-

E vamos quebrar nosso silêncio aqui no blog com o clássico dos clássicos do cinema indiano. Pather Panchali, ou A Canção da Estrada, na tradução em português, não é somente uma obra prima que a Índia produziu, mas sim um tesouro do cinema mundial.

Escrito e dirigido pelo mestre bengalês Satyajit Ray, Pather Panchali foi nada mais que seu primeiro filme, e que daria origem à Trilogia de Apu, hoje referência para qualquer um que goste de cinema. Com fortíssima tradição literária, a região de Bengala jamais abandonou seu dom natural, mas, ao contrário, trouxe esse brilho às telas do cinema. Pather Panchali é, na verdade, o nome do livro do bengalês Bibhutibhushan Bandopadhyay, de cuja história Satyajit Ray se inspirou. A continuação da Trilogia foi inspirada em outro livro do mesmo autor, chamado Aparajito.

O filme conta a história de uma família comum e pobre da zona rural do West Bengal, composta por um casal, Harihar e Sarbajaya e dois filhos, o pequeno Apu e Durga. A casa também é frequentada pela velha Indir, irmã de Harihar, que por vezes muda-se para casa de outro familiar.

A vida não é fácil por ali e Harihar mal consegue trabalho pra sustentar a família. Por isso mesmo, chega uma hora que ele decide procurar por algo melhor nas cidades próximas e viaja sozinho, com a promessa de voltar com boas notícias. Mas enquanto ele não volta e não manda notícias, o aperto da família só faz piorar. Tudo cai por água abaixo - quase que literalmente - quando chegam as monções e praticamente destroem a frágil casa em que moram.

E conforme o filme transcorre, o que vemos é o cotidiano da casa e do vilarejo, de uma maneira delicada e muito viva. A tensa relação entre a velha Indir e sua cunhada Sarbajaya é simplesmente uma emoção à parte. Pra completar, Durga, a filha adolescente, alimenta um simpático afeto pela velha, pra desgosto, na verdade, de sua mãe. Durga, por exemplo, tem o péssimo hábito de roubar frutas de pomares alheios, hábito esse festejado pela velha Indir, que abre sempre seu sorriso sem dentes quando Durga chega com uma fruta escondida.

Apu, por sua vez, embora criança, demonstra uma independência típica, ao mesmo tempo que é muito ligado à sua irmã Durga, com quem compartilha o prazer de andar por aí e descobrir o mundo. Num desses momentos - e uma das cenas ápices do filme -, os dois acabam se afastando bastante de casa e vão parar num amplo campo de capim alto. Neste momento, o confronto de ambos com os desconhecidos postes de eletricidade já ganharia a cena, mas na sequência eles escutam o trem ao longe e correm pra vê-lo de perto, o que, aparentemente, nunca tinham feito.

Fatos importantes se seguem no decorrer da história, mas deixo pra que vocês confiram por si mesmos. A Canção da Estrada merece ser escutada, vista e sentida.

Se Pather Panchali teve uma influência inicial do cinema que se fazia na Europa nos anos 50, sua realização acabou fazendo um caminho contrário e acabou por servir de exemplo pra grandes nomes do cinema francês, italiano, japonês... e a verdade é que sua influência não parou e, espero, não irá jamais parar. Foram muitos os prêmios que o filme recebeu, dentre eles um do Festival de Cannes, em 1956.

E devo lembrar, também, que toda a música feita para a Trilogia de Apu foi composta por nada mais que Ravi Shankar, também no super começo de sua carreira.

Agora clique aqui e confira a cena do trem. E não percam esta joia.
-

domingo, 4 de julho de 2010

Mani Ratnam, a Joia do Cinema Indiano

-

Na próxima terça-feira, dia 6 de julho, tem início em São Paulo a IV Mostra de Bollywood e Cinema Indiano que, dentre vários filmes, trará duas obras de Mani Ratnam. Um dos dois, inclusive, o multipremiado Kannathil Muthamittal, abrirá a Mostra às 18h da terça-feira. O outro é o dispensa apresentações Dil Se, que terá sua primeira exibição no sábado, dia 10, às 16h.

Bom, e fiz essa introdução pra trazer a vocês um texto que caiu em minhas mãos essa semana, falando sobre Mani Ratnam. Como é raro falarmos aqui de diretores, achei muito propício aproveitar a chegada da Mostra para falarmos sobre ele. O texto original está em inglês, confiram abaixo a tradução livre dele.

A Joia do Cinema Indiano
por Parvathi Nayar, do AsiaOne

Mani Ratnam é um cineasta de características únicas, é um artista com integridade e que ainda consegue ser um sucesso comercial. Nascido em 1956 em Madurai, no Tamil Nadu, Ratnam trabalhou na área da admistração antes de ter sua estreia no cinema kannada, com o filme Pallavi Anu Pallavi, em 1983. No entanto, foi com Mouna Raagam (1986) que ele provou o sucesso no cinema tamil - posição que se consolidou com Nayagan, estrelando Kamal Hassan, que foi incluído na lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos da revista Time.

Muitos dos filmes de Ratnam foram inspirados em eventos reais... Iruvar baseou-se nos ícones do cinema e política tâmeis M.G. Ramachandran e Karunanidhi. Curiosamente, Menon, que trabalhou com ele como cinematógrafo nos filmes Bombay e Guru disse: "Quando você o conhece, ele não passa a você nenhum de seus ideais políticos, mas percebe-se que ele é politicamente esclarecido - e então inevitavelmente seus filmes trazem fortes diálogos políticos com seus espectadores, assim como traz histórias do sofrimento humano".

Desta forma, Ratnam não tem medo de controvérsias, como por exemplo ocorreu em Bombay, uma história de um casal hindu-muçulmano durante os atentados em Mumbai, em 1993.

Menon sugere que Ratnam traz em si um tanto da tradição indiana de contar histórias, seja em figuras arquetípicas, como em Mother India, ou mesmo no seu Raavan, com épicos indianos. E mesmo no começo de sua carreira, com o filme Thalapathi, os protagonistas trazem um paralelo à relação de Karna e Arjuna, no épico Mahabharata.

Ratnam costuma ser muito elogiado pela capacidade memorável de extrair belas performances de seus atores. Ele é categórico na escolha de seu elenco - em uma entrevista disse que o ator correto no papel correto é já meia batalha vencida - e deposita extrema confiança em seus atores. Em outra entrevista, Ratnam explicou: "Não sou um diretor que se mostra. Eu discuto o papel e a cena com meus atores e deixo que eles tragam tudo à vida".

Dentre os talentos que Ratnam trouxe ao mundo está A.R. Rahman, quando ele estreou na trilha sonora de Roja. O resto já é história.

Ratnam tem a capacidade de inspirar as pessoas que estão por trás e em frente às câmeras a buscar novos patamares. Suas colaborações com o cineasta P.C. Sreeram, por exemplo, que também incluiu Nayagan, foram notáveis por trazer várias inovações em técnicas cinematográficas.

Ratnam estreou no cinema hindi com Dil Se, estrelando Shahrukh Khan e apresentando Preity Zinta ao estrelato, fazendo também indianos de todo o mundo ficarem viciados com a música Chaiyya Chaiyya. No entanto, foi fazendo seu segundo filme hindi, Yuva, que Ratnam teve seu primeiro enfarto.

Internacionalmente, Ratnam tem uma excelente projeção. Em 1994, por exemplo, ele já foi digno de merecer uma retrospectiva de seus filmes tâmeis no Festival Internacional de Cinema de Toronto. Ainda assim, ele também já foi bem criticado por exagerar no visual de seus filmes, ao que ele responde que: "fazer um filme visualmente interessante não é um pecado! Isso é o que todos deveriam estar fazendo. A ideia não é fazer o visual dominar, mas trazer um panorama agradável à sua história".

Não é exatamente a perfeição que Ratnam busca; como ele também já explicou, ele busca alguma "mágica em cada cena". Ele não quer que seus filmes sejam algo que foi fotografado, mas sim alguma coisa que "apenas aconteceu" e que então foi capturada no filme.

Capturada no filme, aliás, foi também o que ocorreu com sua esposa, Suhasini, que diz que "Mani é muito romântico". Eles se conheceram quando ele tinha 33 anos e ela, sobrinha de Kamal Hassan, era já uma famosa atriz. Eles se casaram em 1988 e têm hoje um filho de 18 anos, chamado Nandhan Mani Ratnam. Ele e a esposa gerenciam a produtora Madras Talkies, que coproduziu Raavan.

O cineasta P. Jayendra, que é cofundador da Real Image, diz que Ratnam é meticuloso e obsessivo com os detalhes. Ele trabalha em cada aspecto do filme com um fervor religioso. De fato, essa dedicação com os detalhes pode mesmo ser vista em cada coisa que ele faz - mesmo no golfe.

Simultaneamente filmado em hindi, tamil e telugu, o filme Raavan teria sido inviável se Ratnam não tivesse os olhos pros detalhes como ele tem. Pra ele, dublar filmes não funcionou no passado. "Dublar um filme exige muitas coisas que acabam por comprometer a flexibilidade da produção", disse.

Enquanto seu novo filme já foi anunciado - Azaan, com Ranbir Kapoor - os fãs ainda correm pro cinema pra ver as diferentes versões de Raavan. E decepcionar-se é difícil; os filmes de Ratnam são uma combinação de forte entretenimento e realismo, com assuntos complexos e e histórias simples ao mesmo tempo.
-