Já vou começar dizendo que esta postagem de hoje não será sobre o cinema indiano, excepcionalmente.
Não disse antes, mas nos últimos dez dias em que estive ausente eu estava fazendo um curso de Meditação Vipassana. Algumas pessoas talvez conheçam esta técnica, ou já tenham ouvido falar dela, ou talvez lembrem-se de um caso interessante que ocorreu na Índia com o uso desta meditação. O curso oferecido é sempre de dez dias, em uma espécie de retiro, onde existe uma disciplina rígida de horário de meditação das 4:30 às 21:30, somando cerca de dez horas meditando durante dez dias. Em todos os horários de descanso não se pode falar em hipótese alguma, mantendo o nobre silêncio, fundamental e imprescindível para que a técnica seja realmente bem compreendida pelos praticantes e que seu objetivo seja alcançado em dez dias.
Não farei desta postagem uma aula de Vipassana e, então, não falarei sobre a técnica em si. Contarei apenas um pouquinho de sua história e de sua importância.
Quando Buda iluminou-se, há pouco mais de 2500 anos, foi justamente através da meditação Vipassana e, após os 45 anos que se passaram de sua iluminação à sua morte, dedicou-se integralmente à disseminação desta prática, deste conhecimento, que ele chamava de dhamma. Ao deixar seu corpo material para sempre, seus discípulos fundaram a religião budista, ainda que Buda dissesse que não queria o surgimento de uma nova religião ou seita. E nestes princípios do budismo, duas linhas formaram-se: a theravada e a mahayana. De forma extremamente genérica, a diferença entre as duas linhas está em como elas interpretaram a mensagem de Buda. A primeira preferiu reservar-se às palavras mais puras do iluminado e guardou este conhecimento em monastérios, disseminando-se muito pouco. A segunda, porém, foi a que se estabeleceu como religião propriamente dita, com rituais e preceitos não estabelecidos por Buda, além de ter em seu princípio a doutrinação, o que implica também em seu espalhamento pelo mundo. Portanto, hoje, praticamente todo o budismo que existe mundo afora é originado da linha mahayana. A linha theravada acabou restringindo-se a pouquíssimos lugares, dentre eles a Birmânia, onde o conhecimento do dhamma e da vipassana foram guardados.
Passados 2500 anos da morte de Buda, chegou o momento em que se acredita que ele esteja para retornar e, por isso, é o momento correto para redissiminação de seu conhecimento original. Como não se sabe onde Buda irá retornar, o objetivo imediato é abrir centros de meditação vipassana pelo mundo, pois, somente assim, o tal Buda descubriria ser o Buda depois de fazer um desses cursos. Quem iniciou a redisseminação pelo mundo foi, e ainda é, S. N. Goenka. Um indiano que nasceu na Birmânia, aprendeu a técnica enquanto ainda morava lá, até que recebeu a missão de espalhá-la pelo globo, iniciando pela Índia.
A técnica é muito reveladora e surpreendente. Não se trata de uma meditação cujo único objetivo é relaxar a mente e/ou fazer com que você compreenda ser um ser de luz. É muito além disso. Ela vai profundamente na raiz da razão de nossa existência; e por isso é reveladora.
No meio da década de 90 ocorreu uma das experiências mais transformadoras e surpreendentes do uso da meditação vipassana. Em uma das maiores prisões do mundo, a de Tihar, perto de Nova Délhi, na Índia, com 10.000 presos, empreendeu-se uma dura missão. A diretora do presídio, Kiran Bedi, decidiu que faria dali uma comunidade, uma família, e que não perpetuaria o inferno na terra que aquilo estava. Era uma situação muito semelhante ao nosso Carandiru, no Brasil. Uma de suas idéias foi chamar Goenka para que ele ensinasse vipassana aos presos, o que, é óbvio, foi duramente criticado pela maioria. Ninguém acreditava que o presídio tivesse estruturas para cursos de meditação e que isso pudesse resultar em alguma coisa que justificasse os eventuais gastos. O fato é que ela tinha determinação. Goenka apenas impôs a condição de que, antes dos presos, os guardas de Tihar fizessem o curso - e fizeram e voltaram tranformados. Finalmente, montou-se um grupo de 50 presos, e o curso foi um sucesso. Depois mais 50, e mais sucesso. Mas eram 10.000. Kiran queria um curso para 1000 presos ao mesmo tempo. "Você é louca", disseram. Mas nem ligava, e o curso para mil presos aconteceu. Passados 15 anos desde que Tihar recebeu o dhamma de Buda, não é mais possível reconhecer o inferno que reinava por ali. A força de vipassana transformou a prisão que hoje é objeto de cobiça por criminosos que, ao serem presos, pedem para serem mandados para o Tihar Ashram, o novo nome do cárcere, onde não serão maltratados, muito pelo contrário.
No post a seguir coloco as cinco partes de um vídeo, em inglês, contando a história da prisão de Tihar. É lógico que queria colocá-los em português, mas não foi possível. Ao menos vejam as imagens, para quem não conseguir compreender o inglês.
Mas meu principal objetivo com este post é apenas sugerir que todos façam este curso. Que guardem apenas dez dias de suas vidas, juntem um pouco de força de vontade e determinação, e dediquem-se a aprender vipassana. O curso é 100% gratuito, e a instituição mantém-se através das doações dos alunos antigos. No Brasil o único centro que existe é em Miguel Pereira, no estado do Rio de Janeiro, mas são realizados cursos periódicos em São Paulo (como o que acabo de fazer, que foi em Nazaré Paulista, na Serra da Mantiqueira), no nordeste e no planalto central. Aqui está o site para maiores informações e inscrições para o curso: http://www.dhamma.org/pt/
4 comentários:
Olá Ibirá. Parabéns por ter feito este curso, mas permita-me corrigir algumas de suas informações. S.N. Goenka não foi aquele que começou a 'redisseminar' vipassana no mundo, nem ao menos é o único que ainda o faz. Dezenas de outros o fizeram antes dele, excepcionais mestres, contemporâneos ou anteriores ao próprio mestre dele, U Ba Khin. E hoje há milhares de professores e mestres que ensinam vipassana no mundo e que nenhuma relação possuem com S.N. Goenka e sua organização. Também não é verdade que o único lugar de prática no Brasil seja o que vc menciona. O que vc menciona é aquele pertencente à organização de S.N. Goenka no Brasil, que infelizmente apropriou-se do nome 'vipassana' - que é um nome para certa meditação buddhista - como sendo exclusivamente ensinada por ela e tampouco menciona que há vários outros 'tipos' de vipassana.
Dhanapala, muito obrigado por seu comentário. Confesso que sou ignorante em relação ao que existe no mundo, nesta área, e apenas retransmiti aquilo que haviam me passado.
Mas também confesso que não me importo se alguém rouba, apropria-se ou deturpa uma verdade, pois o mais importante é a nossa dedicação, determinação e imparcialidade em relação à ela, não é mesmo? A verdade está muito além de uma técnica ou outra.
De qualquer maneira, para percorrermos nossos humildes passos, devemos ser informados sobre as possibilidades existentes e por isso gostei de seu comentário. Pois então, seja fazendo os cursos de vipassana redissiminados por S.N. Goenka, seja qualquer outro, apenas sugiro que todos experimentem ao menos uma vez na vida, sem preconceitos e com a mente pura.
Om Shanti Om
Pra quem sabe inglês, este artigo parece-me muito bom: http://en.wikipedia.org/wiki/Vipassana
Quem sabe um dia eu faca.... vc quase me convenceu :)
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