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Hoje recebi um artigo que de novo foge um pouco do tema central de nosso blog, mas eu achei ele bem interessante e que merecia ser compartilhado. E na verdade, como as coisas do mundo estão todas conectadas, eu acredito que o que se fala nesse artigo pode no fim das contas ter muito a ver com a propagação do cinema indiano por nossas bandas de cá. E é sobre isso que vínhamos falando nos últimos artigos publicados.
Esse de hoje, porém, tem uma importância um tanto maior. Trata-se de um texto escrito por B.S. Prakash, o embaixador da Índia no Brasil, e publicado na Rediff.com, um dos mais importantes sites de notícias e entretenimento da Índia. O texto original está em inglês e o que se segue é uma versão em tradução livre ao português feita por mim mesmo.
A novela sobre a Índia que pegou o Brasil de surpresa
Quando chego na embaixada e abro meu email, costumo receber as coisas normais de novas oportunidades de negócios, reclamações sobre vistos e passaportes, convites para eventos etc.
Mas nos últimos tempos ando recebendo coisas inesperadas. Recebo emails perguntando sobre o significado do bindi. "Um sari pode ser vestido sem a blusa?". Ou "Kali é o nome de um curry ou alguma coisa apimentada?" e outras coisas sobre a Índia. E tudo isso no Brasil, onde sou embaixador, experimentando agora a mais forte e mais estranha manifestação do poder da Índia nunca vista na minha carreira.
Como essa curiosidade sem precedentes sobre a Índia apareceu em terras tão distantes?
Isso é o resultado de uma novela que está passando no canal de televisão mais importante do Brasil, que começou em janeiro e seguirá até setembro, passando todos os dias por sete meses. Essa novela, chamada Caminho das Índias, todas as noites está trazendo a Índia para a grande maioria das casas brasileiras.
Antes de dizer do que se trata a história dessa novela, devo falar da importância que tem o fenômeno das novelas na América Latina e de seu forte impacto na vida das pessoas.
Uma novela de sucesso no canal Globo, no Brasil, tem mais impacto que Saas Bhi Kabhi Bahu Thi [novela indiana de super sucesso] e seu apelo pode apenas ser comparado com a série do Ramayana que no passado juntava multidões de indianos em torno das televisões.
As novelas brasileiras tem suas próprias fórmulas de amor, luxúria, falsidades e destruições com finais felizes. Elas são produções sofisticadas e espetaculares, realizadas com um altíssimo orçamento. Hoje em dia, mais de 60% das casas brasileiras assistem à novela, num país de quase 200 milhões de habitantes, sendo que essas mesmas novelas são depois exportadas para os países da América Latina e para os que falam a língua portuguesa.
As novelas comuns são feitas no Brasil e passam no Brasil, mas Caminho das Índias tem parte da trama sediada na Índia e outra parte no Brasil, com lindas garotas brasileiras apaixonando-se por indianos e vice-versa.
O que é importante dizer é que todos os atores são super conhecidos no Brasil, mesmo os que fazem os papéis dos indianos. Toda a história é contada em português, com algumas poucas frases não muito fiéis em hindi, como theek hai, chalo, bhagwan ke liye, arre baba etc, que são faladas pelos personagens indianos.
Essas palavras são hoje faladas pelos brasileiros por todos os lados e várias revistas já publicaram pequenos glossários dessas palavras em hindi usadas na novela.
E como Brasil e Índia se uniram nessa história? Isso ocorre a partir da bem sabida competência indiana em tecnologia da informação. Assim, o garoto dalit sai de sua pátria-mãe frustrado no amor por ter se apaixonado por uma garota brâmane e vai parar no Brasil como um engenheiro de computação. Notem que tanto o oprimido dalit quanto a garota brâmane são ambos interpretados por lindos atores brasileiros, caracterizados em lindas kurtas, salwars e saris e falando português.
Ao mesmo tempo, garotas brasileiras adolescentes apaixonam-se por rapazes indianos através das câmeras do Skype. A parte indiana é filmada sobretudo em e nos arredores de Jaipur e a parte brasileira passa no Rio de Janeiro. Um pouco de Dubai também faz parte dessa masala.
Se a conexão de Índia e Brasil veio pelo TI, o que dá o sabor à novela são outras questões: castas, casamento arranjado, cerimônias exuberantes, rituais exóticos e os tantos deuses estranhos. Tudo isso aparece com abundância, assim como os email que hoje chegam à embaixada.
Como um diplomata, eu sempre soube da importância das mídias de massa na construção da imagem de um país e de sua cultura, especialmente quando desconhecidos entre si, como Índia e Brasil. Então quando ouvi pela primeira vez sobre a novela que a Globo faria, meu sentimento foi um misto de estasia com apreensão.
Meu coração pulou quando eu soube que o eixo central da história seria sobre a rejeição de um dalit pelas castas superiores e coisas relacionadas a isso. Curioso mas cauteloso, eu encontrei a escritora, a produção etc, e tentei saber ainda mais. Aos poucos percebi que uma imagem negativa da Índia não seria transmitida ao Brasil. A história seria incrível, os atores lindos, os cenários exuberantes, e a imagem resultante da Índia seria suntuosa.
Aqui, o Brasil, também um país em desenvolvimento, também com seus problemas relacionados à pobreza, disparidades, favelas etc, mas com uma cultura totalmente diferente, agora olhando curioso à Índia, com seus costumes diferentes, suas artes, sua culinária.
Algumas das coisas são exageradas ou incorretas, mas em nenhum momento são mal intensionadas. Ao contrário, a intenção é ter respeito no transmitir de uma cultura tão diferente, propondo assim uma assimilação. Os interesses são mais no Hawa Mahal, não em Dharavi [maior favela da Índia, em Mumbai]. Se os brasileiros pensam hoje que moramos em pequenos palácios de mármore, usamos lindas roupas de seda e estamos sempre dançando músicas de Bollywood, eu não tenho por que reclamar. Desde então, estamos apenas curtindo o interesse pela Índia nunca antes visto.
Os containers carregados com kurtas, kameez e incensos que agora vemos não alteram nossos comércios bilaterais. Mas confesso que essa atenção toda toma estranhas formas. Outro dia, um empresário indiano estava reclamando comigo, em São Paulo, dizendo que a vida dele estava insuportável. "O que foi?", perguntei. "Eu estava em uma plataforma de petróleo, quando um brasileiro chegou perto e perguntou se eu era indiano. Disse que sim e ele me perguntou se eu era um brâmane ou um dalit", disse ele.
Nós rimos. A pequena comunidade indiana no Brasil ficou expert sobre a história e evolução do sistema de castas e hoje expalham exemplos de dalits bem sucedidos na Índia!
Mas se alguns indianos estão compreensivelmente chateados com a novela, também alguns brasileiros estão. Eu recebi uma mensagem de uma pessoa do alto escalão da Igreja Católica do Brasil. "Nós temos imenso respeito pela Índia e sua cultura, mas essa invasão de cultura indiana, a cultura hindu com vários deuses e deusas, com as práticas pagãs e estranhos rituais, vai corromper o cristianismo do Brasil. Não é justo que reclamemos sobre essa propagação da Índia?", ele perguntou sinceramente.
"O que você pensa da novela?", perguntam-me amigos brasileiros. "É autêntica?". Mas eu não quero entrar num debate sobre se o que mostra a novela é mesmo real ou não. "Essa novela fez a Índia tão popular, que nenhum embaixador pediria por uma plataforma melhor que essa pra projetar a Índia", eu respondo. "E estou pensando na minha 'vingança', na ideia de fazer uma novela indiana sobre o Brasil com todas as suas imagens típicas: dançarinas de samba sensuais, sensacionais modelos de biquíni e grandes jogadores de futebol jogando críquete numa praia de Mumbai", continuo.
Quando respondo isso eles recuam.
Interessada, Ekta Kapoor? [escritora e produtora indiana]
Colaboraram: Rajesh TK e Lígia Paganini
Hoje recebi um artigo que de novo foge um pouco do tema central de nosso blog, mas eu achei ele bem interessante e que merecia ser compartilhado. E na verdade, como as coisas do mundo estão todas conectadas, eu acredito que o que se fala nesse artigo pode no fim das contas ter muito a ver com a propagação do cinema indiano por nossas bandas de cá. E é sobre isso que vínhamos falando nos últimos artigos publicados.
Esse de hoje, porém, tem uma importância um tanto maior. Trata-se de um texto escrito por B.S. Prakash, o embaixador da Índia no Brasil, e publicado na Rediff.com, um dos mais importantes sites de notícias e entretenimento da Índia. O texto original está em inglês e o que se segue é uma versão em tradução livre ao português feita por mim mesmo.
A novela sobre a Índia que pegou o Brasil de surpresa
Quando chego na embaixada e abro meu email, costumo receber as coisas normais de novas oportunidades de negócios, reclamações sobre vistos e passaportes, convites para eventos etc.
Mas nos últimos tempos ando recebendo coisas inesperadas. Recebo emails perguntando sobre o significado do bindi. "Um sari pode ser vestido sem a blusa?". Ou "Kali é o nome de um curry ou alguma coisa apimentada?" e outras coisas sobre a Índia. E tudo isso no Brasil, onde sou embaixador, experimentando agora a mais forte e mais estranha manifestação do poder da Índia nunca vista na minha carreira.
Como essa curiosidade sem precedentes sobre a Índia apareceu em terras tão distantes?
Isso é o resultado de uma novela que está passando no canal de televisão mais importante do Brasil, que começou em janeiro e seguirá até setembro, passando todos os dias por sete meses. Essa novela, chamada Caminho das Índias, todas as noites está trazendo a Índia para a grande maioria das casas brasileiras.
Antes de dizer do que se trata a história dessa novela, devo falar da importância que tem o fenômeno das novelas na América Latina e de seu forte impacto na vida das pessoas.
Uma novela de sucesso no canal Globo, no Brasil, tem mais impacto que Saas Bhi Kabhi Bahu Thi [novela indiana de super sucesso] e seu apelo pode apenas ser comparado com a série do Ramayana que no passado juntava multidões de indianos em torno das televisões.
As novelas brasileiras tem suas próprias fórmulas de amor, luxúria, falsidades e destruições com finais felizes. Elas são produções sofisticadas e espetaculares, realizadas com um altíssimo orçamento. Hoje em dia, mais de 60% das casas brasileiras assistem à novela, num país de quase 200 milhões de habitantes, sendo que essas mesmas novelas são depois exportadas para os países da América Latina e para os que falam a língua portuguesa.
As novelas comuns são feitas no Brasil e passam no Brasil, mas Caminho das Índias tem parte da trama sediada na Índia e outra parte no Brasil, com lindas garotas brasileiras apaixonando-se por indianos e vice-versa.
O que é importante dizer é que todos os atores são super conhecidos no Brasil, mesmo os que fazem os papéis dos indianos. Toda a história é contada em português, com algumas poucas frases não muito fiéis em hindi, como theek hai, chalo, bhagwan ke liye, arre baba etc, que são faladas pelos personagens indianos.
Essas palavras são hoje faladas pelos brasileiros por todos os lados e várias revistas já publicaram pequenos glossários dessas palavras em hindi usadas na novela.
E como Brasil e Índia se uniram nessa história? Isso ocorre a partir da bem sabida competência indiana em tecnologia da informação. Assim, o garoto dalit sai de sua pátria-mãe frustrado no amor por ter se apaixonado por uma garota brâmane e vai parar no Brasil como um engenheiro de computação. Notem que tanto o oprimido dalit quanto a garota brâmane são ambos interpretados por lindos atores brasileiros, caracterizados em lindas kurtas, salwars e saris e falando português.
Ao mesmo tempo, garotas brasileiras adolescentes apaixonam-se por rapazes indianos através das câmeras do Skype. A parte indiana é filmada sobretudo em e nos arredores de Jaipur e a parte brasileira passa no Rio de Janeiro. Um pouco de Dubai também faz parte dessa masala.
Se a conexão de Índia e Brasil veio pelo TI, o que dá o sabor à novela são outras questões: castas, casamento arranjado, cerimônias exuberantes, rituais exóticos e os tantos deuses estranhos. Tudo isso aparece com abundância, assim como os email que hoje chegam à embaixada.
Como um diplomata, eu sempre soube da importância das mídias de massa na construção da imagem de um país e de sua cultura, especialmente quando desconhecidos entre si, como Índia e Brasil. Então quando ouvi pela primeira vez sobre a novela que a Globo faria, meu sentimento foi um misto de estasia com apreensão.
Meu coração pulou quando eu soube que o eixo central da história seria sobre a rejeição de um dalit pelas castas superiores e coisas relacionadas a isso. Curioso mas cauteloso, eu encontrei a escritora, a produção etc, e tentei saber ainda mais. Aos poucos percebi que uma imagem negativa da Índia não seria transmitida ao Brasil. A história seria incrível, os atores lindos, os cenários exuberantes, e a imagem resultante da Índia seria suntuosa.
Aqui, o Brasil, também um país em desenvolvimento, também com seus problemas relacionados à pobreza, disparidades, favelas etc, mas com uma cultura totalmente diferente, agora olhando curioso à Índia, com seus costumes diferentes, suas artes, sua culinária.
Algumas das coisas são exageradas ou incorretas, mas em nenhum momento são mal intensionadas. Ao contrário, a intenção é ter respeito no transmitir de uma cultura tão diferente, propondo assim uma assimilação. Os interesses são mais no Hawa Mahal, não em Dharavi [maior favela da Índia, em Mumbai]. Se os brasileiros pensam hoje que moramos em pequenos palácios de mármore, usamos lindas roupas de seda e estamos sempre dançando músicas de Bollywood, eu não tenho por que reclamar. Desde então, estamos apenas curtindo o interesse pela Índia nunca antes visto.
Os containers carregados com kurtas, kameez e incensos que agora vemos não alteram nossos comércios bilaterais. Mas confesso que essa atenção toda toma estranhas formas. Outro dia, um empresário indiano estava reclamando comigo, em São Paulo, dizendo que a vida dele estava insuportável. "O que foi?", perguntei. "Eu estava em uma plataforma de petróleo, quando um brasileiro chegou perto e perguntou se eu era indiano. Disse que sim e ele me perguntou se eu era um brâmane ou um dalit", disse ele.
Nós rimos. A pequena comunidade indiana no Brasil ficou expert sobre a história e evolução do sistema de castas e hoje expalham exemplos de dalits bem sucedidos na Índia!
Mas se alguns indianos estão compreensivelmente chateados com a novela, também alguns brasileiros estão. Eu recebi uma mensagem de uma pessoa do alto escalão da Igreja Católica do Brasil. "Nós temos imenso respeito pela Índia e sua cultura, mas essa invasão de cultura indiana, a cultura hindu com vários deuses e deusas, com as práticas pagãs e estranhos rituais, vai corromper o cristianismo do Brasil. Não é justo que reclamemos sobre essa propagação da Índia?", ele perguntou sinceramente.
"O que você pensa da novela?", perguntam-me amigos brasileiros. "É autêntica?". Mas eu não quero entrar num debate sobre se o que mostra a novela é mesmo real ou não. "Essa novela fez a Índia tão popular, que nenhum embaixador pediria por uma plataforma melhor que essa pra projetar a Índia", eu respondo. "E estou pensando na minha 'vingança', na ideia de fazer uma novela indiana sobre o Brasil com todas as suas imagens típicas: dançarinas de samba sensuais, sensacionais modelos de biquíni e grandes jogadores de futebol jogando críquete numa praia de Mumbai", continuo.
Quando respondo isso eles recuam.
Interessada, Ekta Kapoor? [escritora e produtora indiana]
Colaboraram: Rajesh TK e Lígia Paganini
9 comentários:
Bem bacana
é legal vemos o que vem "do outro lado"
os comentários no site do original são dos mais variados. o que é bem interessante também
desde os que odeiam porque so mostra peuqenos protótipos indianos (ah e spo o norte) até padres falando que isso fez com que as pessoas se afastassem do catolicismo
hahahaa
eita mundo globalizado
bom mesmo e ter todas as informações!
Amore,
Tambem recebi o link do texto original de uma leitora, mas como ja conheco a cabecinha dos indianos, nem me preocupei com o texto politicamente correto do embaixador. O que me chamou mesmo a atencao foi ignorancia dos indianos que escfreveram diversos comentarios, um mais ridiculo do que o outro. Ainda hj eu comentava sobre isso com a jornalista Florencia e rimos um bocado da visao estreita dos indianos :)
Para quem sabe ingles, vale MUITO mais a pena ler os comentarios dos indianos. Divertidissimo!!!!
E viva a filosofia de TAMPAR O SOL COM A PENEIRA DE FUROS BEM GROSSOS!
Sobre a novela nada posso comentar pois nunca assisti. Mas quando soube que tem um personagem Bramane que adotou um dalit, minha vontade de assistir passou na hora!!
Lol, amei a honestidade do embaixador. Ele admite que o que é apresentado na novela é falseado mas não se importa porque é boa publicidade.
E até se mostrou contente porque a personagem do dalit é representada por um homem bonito. Deus nos livre de vermos um indiano escurinho ou feio na televisão estrangeira! (ler com tom irónico)
Hahahahahahaha
Adorei!
Se Ekta Kapoor escrever sobre o Brasil vou querer assistir.
Já imaginou uma versão indiana de Caminho das Índias?
Atores indianos se passando por brasileiros?
Quero ver messsssssmo!
Ibirá
no parágrafo ao lado da foto da Maya e que inicia com "As novelas indianas..."não seria "As novelas brasileiras"?
Desculpe-me a ignorância mas não li o original e posso estar fazendo confusão com teu texto.
Desconsidere se eu estiver enganada.
Ai, tava errado mesmo! Já corrigi! Muitíssimo obrigado!!! :)
Gostei da maneira como o embaixador fala da novela...não exige que seja um trabalho metódico de retratação da Índia,ele sabe que não é um documentário histórico.Muito bom! :S
Olha eu adorei esse texto, mas esse cristão é muito chato! Vai cagar! E além do +, eu ADOREI ESSA NOVELA
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