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Talvez este site fosse mais simpático se ele tivesse sido iniciado, mais de dois anos atrás, com uma postagem sobre Lata Mangeshkar, provavelmente a mais importante personalidade da Índia ainda viva.
Num país em que o cinema rege a sociedade, num país em que a música rege o cinema, ser cantor de playback deste cinema é estar em um posto talvez mais sagrado do que os que estão os atores. Se os atores estão sujeitos às subjetividades e projeções de cada um, que os fazem ser amados ou odiados, os cantores costumam ser praticamente unanimidade entre o público, variando efetivamente muito pouco, mudando somente pelo gosto de tom de voz, harmonia etc.
Pois e ser cantor de playback do cinema indiano é saber que as músicas não são suas, ou, mesmo se forem compostas pelo próprio cantor (como são alguns dos casos das músicas de A.R. Rahman, ou mesmo do trio SEL), ainda assim as músicas são muito mais do filme e - ainda mais - serão dos atores e das respectivas cenas de dança em que estiverem inseridas, se estiverem.
E, pra começar, Lata (lê-se Latá) já tem sua importância por disputar com Asha Bhosle o recorde de maior número de gravações já feitas no mundo por um único cantor, segundo o Guinness. As coisas ficam ainda mais interessantes quando sabemos que Asha Bhosle é simplesmente irmã de Lata Mangeshkar, com apenas quatro anos de diferença entre elas. Mas Lata diferencia-se - daí sim - por ter criado todo um estilo de cantar posteriormente imitado e reproduzido nos últimos sessenta anos do cinema indiano, inclusive por Asha.
Bom, Lata nasceu no dia 28 de setembro de 1929 em Indore, no Madhya Pradesh, embora sua família seja originária do Maharashtra da região de Konkan, próximo a Goa (por isso o sobrenome terminado em "kar", comum nesta região do estado). Seu pai, Pandit Deenanath Mangeshkar, era já um ator de teatro e cantor clássico. Ao nascer, Lata foi batizada como Hridaya, mas seus pais mudaram seu nome após uma muito bem sucedida peça do pai, cuja personagem principal era Latika. Lata é a filha mais velha do casal e todos os outros, Asha, Hridayanath, Usha e Meena são também cantores e/ou compositores.
A lenda diz que (pausa: entendemos já que Lata é uma lenda, viva que seja, quase um mito) Lata aprendeu a cantar tão cedo que, no primeiro dia de aula, tomou o lugar da professora e começou a ensinar seus amiguinhos a cantar. Ao ser reprimida pela professora, foi embora e não quis mais voltar pra escola. Mas como todo bom mito, há outra versão da história que diz que ela não quis mais ir à escola porque não deixaram que ela levasse consigo sua irmã Asha, que era mais nova e deveria ficar em outra turma.
E quando Lata tinha 13 anos, seu pai morreu e ela ficou sem seu mestre. Mas foi nesse momento que um grande amigo da família, Master Vinayak, aproximou Lata do cinema, já na década de 40. Foi assim que, em 1942, ela gravou a música "Naachu Yaa Gade, Khelu Saari Mani Haus Bhaari", pra um filme em língua marathi chamado Kiti Hasaal, mas que no final das contas foi eliminado da edição final. Mas ainda no mesmo ano ela gravou outra música, "Natali Chaittrachi Navalaai", do filme Pahili Mangala-gaur, também marathi. Em 1945 Lata mudou-se pra Mumbai, justamente quando a produtora de Master Vinayak foi também para lá e passar a trabalhar efetivamente em Bollywood, com filmes em hindi.
Lá, Lata passou a ter aulas de canto indiano clássico com Ustad Amanat Ali Khan Bhendibazaarwale. No entanto, com a independência da Índia e consequente partição do país com o Paquistão, ele teve de se mudar para o recém-criado país muçulmano. Foi então que ela passou a ser treinada por Amanat Khan Devaswale que, embora também muçulmano, não mudou-se ao Paquistão.
Com a morte de Master Vinayak, em 1948, Lata passou a ser promovida por Ghulam Haider, que acreditava com todas as suas forças que ela se tornaria uma referência, embora houvesse muita resistência por sua voz tão fininha. Mas a resistência muito logo caiu por terra. Já nos anos 50, a voz de Lata aparecia nas músicas de imensos sucessos não só de Bollywood, mas como também em filmes das outras grandes indústrias de cinema indiano. E todas as outras cantoras que surgiam naquele momento, ou que vieram depois, assumidamente adotaram o estilo de Lata, fazendo de seu estilo, voz e harmonia, a verdadeira voz da música indiana.
Hoje, não existem dados muito precisos do número de gravações que Lata já fez, mas consta que, no mínimo, passam de 40 mil as músicas já por ela cantadas, em pelo menos 20 das tantas línguas que existem na Índia.
Recentemente, Lata praticamente não grava mais músicas para os filmes indianos, dando espaço às novas-já-consolidadas vozes. Em 2004, ela ganhou uma relativa projeção internacional por ter uma música gravada por ela, "Wada Na Tod", fazendo parte da trilha do filme estadunidense Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças ("Eternal Sunshine of the Spotless Mind"), originalmente gravada pro filme Dil Tujh Ko Diya, de 1987. Coloco abaixo essa música, com a cena do filme original.
E o trabalho de Lata foi reconhecido, no mínimo, por todas as condecorações que o governo indiano tem a oferecer. Foi o Padma Bhushan, em 1969, o Dada Saheb Phalke, em 1989 (este dado às grandes contribuições ao cinema indiano), o Padma Vibhushan, em 1999, e o Bharat Ratna, em 2001. Além destes de extrema importância, Lata recebeu outras dezenas de prêmios e reconhecimentos por seu trabalho.
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8 comentários:
Eu prefiro a Asha ^_^
Pois é, a voz de Ashaji é menos fina que a da Latinha... logo, mais "aceitável". Mas Lata fez história, né.
Sim, ela fez, mas acho que a Asha ganhou mais reconhecimento. É mais versátil e ousada ;)
ai eu adoro a voz da Lata, mais do que da voz da Asha!
adoro a Trilha de Veer-Zaara que tem ela em praticamente todas as músicas!
A voz da Lata, por ser muito própria dela, acaba dando um sentimento gostoso quando aparece em algum filme. Ao menos é assim comigo :)
Olha, os dois comentários da dona Barbie não seriam tão de acordo com o que penso nem se fossem feitos por mim. É isso mesmo, Asha tem uma ousadia absurda ao cantar. Mas hoje não estou a fim de compará-las, até porque sorte nossa é termos as duas.
Ainda assim, amo a voz da Lata. Não sei nem dizer qual música dela seria minha favorita, mas as trilhas em que mais gosto de sua voz são Guide (Piya Tose é tão linda!), HAHK e Chori Chori. Ah, tem uma música que o Pedro me apresentou que há muito tempo não sai da minha mente: Salaam-E-Ishq, do Muqaddar Ka Sikandar. É certamente uma das minhas favoritas, procureeeem! É um clipe da Rekha dançando como cortesã (novidade). Nossa, nem tinha percebido isso...estranho a Lata cantando música de cortesã. Quero dizer, estranho para mim.
Gostei muito dessa nova modalidade de post sobre cantores. Vai continuar? Me faria muito feliz ler um post sobre o Rafi (ídolo³), a Ashaji, o Udit, a Shreya...ou o Kishore Kumar, meu queridinho do momento. Já leu a Wikipedia dele e suas histórias? Bi-zar-ro!
Ah, La-tá nada. Ainda não me recuperei do trauma Saif-Séf.
E zoou a Latinha na foto principal, hein.
Vai continuar, sim, Carol! Aos poucos e sempre, cada um será contemplado. :)
E é Latá, I'm sorry. Eu sei que a foto principal tá engraçada, mas fiquei horas atrás de uma e achei essa, no fim das contas, a mais simpática dentre as fotos em alta definição da Latinha... =/ E nem tá tão zoada, vai...
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