terça-feira, 20 de outubro de 2009

Kanchivaram (2008) - காஞ்சிவரம்

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Fazia um certo tempinho que eu não via filmes fora do circuito hindi e de repente fui ver nada mais que a obra tamil que ganhou o prêmio de Melhor Filme no National Film Awards desse ano, premiação esta entregue pelo governo indiano para toda a produção de cinema do país.

Kanchivaram é um belíssimo filme, escrito e dirigido por Priyadarshan. Prakash Raj, protagonista do filme e que na mesma premiação levou o prêmio de Melhor Ator, é fantástico. Isso sem falar na trilha sonora, de M.G. Sreekumar, que é deliciosa. A fotografia, então, é linda. E o enredo é delicado, sensível, denso e poético. Ufa, basta de elogios?

Esse filme conta um caso fictício num fato histórico real que se passou no Tamil Nadu, à época da Índia recém-independente. Naquele período - e quiçá talvez até hoje, confesso que não sei - aquela região da Índia produzia as melhores e mais bonitas peças de seda, cobiçadas pelo mundo inteiro e que por séculos teve o comércio controlado pelo Reino Unido. O município de Kanchivaram (atual Kanchipuram), em especial, era um centro notório dessa produção.

Acontece que enquanto os líderes locais lucravam horrores com a comercialização da seda (sem falar nos britânicos que compravam e depois revendiam a preços ainda mais absurdos), os tecelões - fonte de toda a criatividade dos belos tecidos - seguiam absolutamente pobres, pra não falar miseráveis. Enfim, a estrutura que conhecemos bem.

Quando o filme começa, um prelúdio em texto nos informa da importância da seda no hinduísmo, dizendo que, por sua pureza, recomenda-se usá-la ao menos em dois momentos da vida: no casamento e na morte. Acontece que até mesmo pra comprar um novelo de fios de seda já é caro demais pra um mero tecelão. Para eles, possuir um pedaço de seda é tão absolutamente impossível que nem em sonho isso passa na cabeça deles.

Mas Vengadam (Prakash Raj) resolveu sonhar o impossível. No nascimento de sua primeira filha, ao cumprir o ritual de fazer uma promessa no ouvido da neonata, promete-lhe um sari de seda em seu casamento. Todos que estão presentes entreolham-se e a esposa de Vengadam, Annam (Shreya Reddy), recolhe-se, entristecida. Mas Vengadam tenta convencê-la de que se eles pouparem dinheiro o tanto quanto puderem, na hora do casamento de Thamarai (Shammu), a filha, eles teriam dinheiro suficiente para comprar o sari de seda prometido.

Acontece que o próprio Vengadam trai o acordo, ao dar ao seu cunhado uma bela quantia do dinheiro guardado, já que ele passava por problemas. Para contornar, e tentar garantir que a promessa se cumprisse, Vengadam começa a roubar fios de seda todos os dias ao sair da tecelagem, enfiando os novelinhos na boca e evitando ser descoberto. Assim, dia após dia, e por 16 anos, Vengadam tecia um sari de seda pra sua filha no velho tear de seu pai, sem que ninguém soubesse.

A história vai se passando em flash back. Vengadam está sendo levado da prisão, de Koimbatore a Kanchivaram, num dia de muita chuva. Os policias que o acompanham levam-no num ônibus, e de tudo acontece durante essa viagem, que se torna angustiantemente longa. Enquanto tudo vai acontecendo, o pensativo Vengadam vai lembrando-se de toda sua vida, até chegar onde chegou - e o filme são suas lembranças. Assim percebemos que a maior parte da história se passa com a Índia ainda dominada pelos britânicos, durante o período da Segunda Guerra Mundial.

Nesse cenário, Vengadam acaba entrando em contato com os ideais comunistas, primeiro clandestinamente, mas depois "liberados" após a União Soviética lutar ao lado dos Aliados, dos quais a Grã-Bretanha pertencia. Ele torna-se um líder revolucionário dos tecelões, e comanda a primeira greve entre eles. No entanto, ele se vê entre a cruz e a espada ao receber um ultimato para casar sua filha. O problema era que o sari ainda não estava pronto e para terminá-lo o único jeito seria voltar a trabalhar nas tecelagens para seguir roubando a seda e cumprir sua promessa.

A verdade é que até esse ponto já estamos relativamente próximos ao final do filme. Muito se passa nesse meio tempo, e omiti fatos um tanto pesados na história - assim garanto um certo efeito surpresa. Mas o desfecho da história surpreende um bom tanto, ao mesmo tempo em que a delicadeza da trama é mantida do começo ao fim.

A parte real da história é que os tecelões de Kanchipuram existem até hoje, e de fato eles passaram por uma micro-revolução nos primeiros anos da independência do país, eliminando as estruturas opressoras e formando cooperativas.

Não vi todos os filmes que concorreram no National Film Awards de 2009, mas esse filme tamil é totalmente merecedor, sem sombras de dúvidas.

Ah, e vale muito dizer que esse filme pode ser visto completo no YouTube, em 13 partes, com qualidade boa da imagem e legendas em inglês. E por hora, fiquem com o trailer:



11 comentários:

bárbara disse...

Esse filme está só no Youtube ou sabes se tb existe em torrent (c/legendas, digo)?

Que história tão triste :(

Pedro disse...

Quero assitir esse filme!Ibíra poe a comunidade do Ashu lá na coluna "No Orkut"

Ibirá Machado disse...

Barbie, ele está em torrent, e eu inclusive tinha já baixado e achava que a qualidade era boa. Mas quando fui ver....... a qualidade era tão ruim que já no prelúdio eu não consegui ler o que estava escrito. Foi daí que encontrei o filme no YouTube em boa qualidade e assisti ele todinho ali...

E sim, a história é mesmo triste. E em verdade mais até do que eu contei. Mas não falo nada mais do que isso!

Pedro, assista! E sim, sim, já irei já colocar o link ;)

bárbara disse...

Ah, sim, esse post já deixa antever um final heartbreaking ;_;

Ibirá Machado disse...

É que não é só no final que o heart break... :p

Unknown disse...

Isso parece o tal neo-realismo italiano já mostrado e repetido desde século de bolinha.

Ibirá Machado disse...

André, não, esse filme não faz parte do neo-realismo italino, nem nada parecido. Na Índia, Satyajeet Ray fez filmes nessa linha, mas lá nos 1950. É apenas um filme indiano autoral, misturando um bocado da própria tradição cinematográfica indiana, com um outro bocado do cinema europeu, se assim pudermos chamar.

Anônimo disse...

Oi Ibira :) Aqui é pamella.. aquela que comentava do cinema tamil :) entao.. tive doente por uns meses e impossibilitada de usar a net..
teu blog tá excelente.. mas poderia eu sugerir dois filmes que eu AMOO de paixao e acredito que tu vai gostar tambem?? Assista Anjali (é um filme do Mani Ratnam).. esse filme é lindo.. se voce nao achar pelo nome de Anjali, procure pelo nome Anjali baby Shamili.. esse filme tem dublagem em hindi, malaio.. mas a versao tamil pra mim é melhor :) E é claro.. assiste por favor a "Naan Kadavul".. é um filme tamil que fala sobre os aghoris.. aqueles que comem seres humanos.. esse filme é bem forte.. tem otimos dialogos em tamil e em sancristo tambem :)
beijos, pamella

Ibirá Machado disse...

Muitíssimo obrigado, Pamella! Vou seguir teus conselhos, com certeza :)

E espero que estejas melhor agora ;)

bjs

Carol Juvenil disse...

Eu detesto esse filme.Motivos:

1)Eu estava de mau humor quando o assisti porque estava quente e a vida era ruim.Aí você assiste a um filme deprimente desses e a situação piora.

2)Vi a tal versão com péssima imagem e legenda quase ilegível.

3)Ele demorou 87374686482 anos para chegar e nem questão de me fazer um pouco feliz ele fazia!

Enfim, ficamos com essa relação de ódio mortal.Lembro que teve uma hora em que não aguentava mais e só faltavam 11 minutos para acabar.Tentei, tentei e só ficava mais irritada.Aí vi e tinha mais um arquivo com uns 15 minutos!Fiquei com raiva e só terminei 2 dias depois.

Mas acho que seria um bom filme se não existissem essas questões pessoais.Não esperava aquele rumo político que a história toma uma hora,e muito menos que disso tenha voltado para o pessoal.Interessante.

Ibirá Machado disse...

Eu acho o filme lindo :)